quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

O dia em que chorei pela Argentina

Quem vai a Israel fica sabendo que o Argentino é o povo mais arrogante do mundo. Pelo menos para os judeus que os acusam de terem dado guarida para os nazistas. A disputa entre argentinos e brasileiros envolvendo economia, política e todos os esportes também é antiga. Remonta ao império.

Pois bem, a despeito dessas contendas um dia não me contive e desabei a chorar pelos argentinos em plena Avenida Paulista, nas escadarias do prédio da Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo. Chorei desoladamente.

Era o começo da década de 80. O general Leopoldo Gualtiere, ditador-presidente da república portenha e presidente da Junta Militar, para dar fôlego ao regime moribundo, achou de criar um fato político depois da Copa de 78 invadindo as Ilhas Malvinas (ainda me recuso a verbalizar Falklands), desafiando o poderoso império Britânico e a famigerada “Dama de Ferro”, a primeira ministra Margareth Tatcher.

Na fúria e impetuosidade dos meus 19 anos me posicionei ao lado de el pueblo hermano, apesar de sonhar dia e noite em fazer com Gualtiere o que fizeram com o Somoza, algoz da Nicarágua, que foi para o espaço com um tiro de bazuca no Paraguai. Irritei-me mais ainda em saber que o governo brasileiro, do também general Figueiredo, decretou a neutralidade. Covardes! A soberania da América Latina estava em jogo.

Acompanhei todo o desenrolar do conflito pelos jornais. Ficava com fome, mas comprava todos os diários da cidade. Quando a Inglaterra decidiu mandar sua força tarefa para o Atlântico Sul, apoiada pelos Estados Unidos e pela OTAN, na minha ingenuidade de poeta acreditei que os argentinos dariam uma lição nos bretões. Dariam uns tubas nos traseiros deles. Eu contava as horas e os dias na medida em que a Marinha de Guerra Britânica se aproximava das Malvinas.

No início do confronto a Força Aérea Argentina fez um bom estrago em um destróier inglês envergonhando a tradição da Marinha e a honra da Real Força Aérea, a RAF, da dona Elizabeth II. Fui ao delírio. Mas a resposta viria de forma violenta e cruel. Os anglo-saxões, do rei Ricardo Coração de Leão, lançaram um míssil em um navio Argentino – aquelas tranqueiras velhas que os americanos venderam depois da 2ª Guerra Mundial para países do 3º Mundo. A antiga barcaça, renomeada de “General Belgrano”, foi a pique matando centenas e centenas de jovens.

Naquele fatídico dia morreram mais de 800 rapazes de apenas 17 anos de idade nas águas gélidas do Sul. Chorei muito sentindo a dor das mães, das famílias e do povo argentino. A guerra chegara ao fim mais rápido do que imaginara. A dor da humilhação foi indescritível. Os pilotos argentinos ainda esboçaram uma reação, porém jamais seriam páreos para o Império Britânico, os Americanos, além do Tratado do Atlântico Norte. Foi um verdadeiro massacre. A Dama de Ferro vencera.

Desolado e humilhado ainda chorei alguns dias. Foi bom. Descobri em mim um sentimento de solidariedade por todos os povos oprimidos da América Latina. Descobri também que minhas lágrimas não eram apenas pela Argentina, mas pelos injustiçados, pelos oprimidos, pelos explorados, pelos presos políticos, pelos famintos e pelas vítimas do regime militar que também agonizava no Brasil, deixando uma profunda cicatriz na alma do povo brasileiro.

A música “Los hermanos”, de Ataualpa Yupanqui, sucesso na época, poderosa na voz de Mercedes Soza e doce na de Elis Regina, calaram fundo ao meu coração. Recordo com doçura dias memoráveis. Afinal de contas cresci e amadureci com a experiência. São essas situações que nos ensinam a trilhar o caminho difícil da vida. Cerca de 26 anos me separam daqueles dias. Hoje concluo que valeu a pena chorar pela Argentina. Choraria de novo!

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