sábado, 11 de outubro de 2014

7 de outubro
2º dia
5h30 da manhã 

...o dia de ontem foi terrível. Até você se acostumar em uma balsa cheia de gente é doloroso, enfadonho, cansativo. Atei minha rede nos balaústres dianteiros da barcaça, como já disse, me posicionei na proa. Acho que é um gosto de criança. Desde a partida muita reclamação. Os de primeira viagem murmuram demais. Como já fui quatro vezes a Manacapuru na balsa tento ajudar, confortar, consolar...

Veio a tarde, o crepúsculo convidou a noite que chegou lentamente com os últimos raios de sol deitando no horizonte. Apesar do cansaço, não dormir muito bem. Acordava o tempo todo com gente se lamentando, gemendo e chorando. Sem contar as tagarelas narrando detalhadamente suas campanhas fracassadas. Uma lástima...mas não era só sofrimento. Haviam momentos de boas gargalhadas.

Um cara contou que perdeu a eleição, o emprego e a mulher. Outro, vendeu tudo o que tinha...até as calças e teve menos de cem votos. De certa forma é divertido ouvir essas histórias...uma senhora disse que foi enganada por um pastor. Veio o protesto na bucha:

_ Êpa! Pode parar! Pastor, não! Cabra safado porque pastor mesmo não engana ninguém. 

Aprovação geral com direito a palmas. 

Na balsa Não existe classe A, B, C ou D...todos são perdedores, são "os iguais": candidatos ao Senado, governador, federal e estadual. Não tem situação nem oposição. Um ajudando o outro por necessidade. Dividimos água, pão, frutas, comemos no mesmo prato, compartilhamos sonhos, vitórias, tristezas e fracassos.

O rio está coberto por uma neblina que aos poucos vai se desfazendo a medida em que os raios do Sol aparecem entre as árvores das margens. Sinto o cheiro do café, sento na rede com os pés tocando o chão frio do barco. Hora de levantar e ajudar na cozinha. É o meu turno. Formamos equipes de trabalho pra limpeza, comida...

Incrível como na mesma condição de fracasso as pessoas começam a se tratar bem. A cuidar uns dos outros, a serem gentis. Depois de tanta reclamação e protestos todos começam a se refazer e o ambiente começa a mudar...as diferenças vão ficando pra trás nas águas do rio.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Diário de bordo

6 de outubro
6:00 da manhã
O primeiro dia...

Depois de dez anos de mandatos consecutivos estou no Porto da Gameleira a olhar o rio e a balsa que me esperam com destino a pitoresca cidade de Manacapuru, às margens do Solimões. As chuvas pesadas de outubro prenunciando um inverno rigoroso deixam o barranco liso. Mas é preciso descer...ir.  É necessário partir...

Olho ao redor em busca de alguém  em quem me apoiar para não descer rolando barranco abaixo, mas não vejo ninguém. Estou só. Melhor assim. Fui o primeiro a chegar. Outros deverão vir em romaria com suas tralhas: Murmurações, reclamações, amarguras, desculpas e acusações...é sempre assim ao final de cada eleição.

Procuro me agasalhar na proa. A vista é bonita. Da proa sempre se olha para o horizonte. O nascer de um novo dia.  Para o futuro. Olhar da popa é olhar para trás, para o passado...o ocaso. É ver os sonhos sendo tragados pelo rebojo das águas barrentas. Pela noite. Na proa, não! O futuro à frente. O passado prende, escraviza...o futuro liberta. Em poucos instantes a balsa estará lotada. 

Novos e velhos conhecidos de outras viagens sem fim vão chegando. Balsa é sinômino de democracia. Se fosse uma ditadura não teríamos eleições. Nem ganhadores nem perdedores. Portanto, ....balsa!

_ Vamos fazer um selfie! Grita uma passageira metida nos trinques , como se estivesse a desfilar em uma passarela. 

_ Que Selfie porra nenhuma, escracha um mal humorado, revoltado com a pífia votação...e os piuns a lhe atanazar a paciência. 

_ Calem a boca! Vamos logo embora que tenho mais o que fazer, esbraveja um empresário pensando em recuperar o dinheiro investido, e perdido.

O burburinho é grande até todos se acomodarem. Um empurra daqui, outro empurra de lá. Calor escaldante para o mês de outubro, mês de trovoadas, de fortes ventos e das onças no cio. Um mormaço, muito abafado, um calor infernal a essa hora da manhã. 

_ O mundo vai se acabar em fogo, profetiza um evangélico, suando a cântaros, metido em um paletó surrado, calçando tênis, e uma bíblia na mão. 

_ É o fim do mundo pra nós que sé lasquemos nas urnas, retruca uma loira oxigenada, que só teve dois votos. _ Bando de gente falsa, gente safada...tanto que eu fiz, desabafa com os olhos marejados de lágrimas. O nariz uma pimenta. 

Aliás, assim como eu a balsa está abarrotada de evangélicos. Penso, vai ser uma viagem daquelas...boa, é claro! _ Misericórdia!!!

Do alto do barranco à multidão assiste a partida. Uns vaiam, outros aplaudem, algumas mulheres e crianças choram. Uma mãe aflita soluçando grita em alta voz.

_ Vai com Deus minha filha...

_ Sua benção mãe - e se põe a chorar - até a volta  mãezinha...

A balsa parte devagarinho  sumindo na curva do rio. É o primeiro dia...de uma longa viagem...