quarta-feira, 4 de julho de 2007

Destinos entrelaçados

Em 1978 estava com 17 anos. Minha mãe dizia em casa que “um homem sem trabalho é um sujeito à toa, portanto, vá procurar trabalho”. Fui. Encontrei. Como auxiliar de escritório do advogado Ciro Facundo de Almeida, que ficava no alto da Acrevelinda, espaço ocupado hoje pelo banco Itaú. Foi meu primeiro emprego.

O advogado Zé de Souza, irmão de dona Noemi, esposa do doutor Ciro, também trabalhava no escritório. Aliás, ele praticamente administrava a banca. Tratava das causas Cíveis. Ciro Facundo, assessor jurídico do extinto Banacre, era o “homem dos tribunais”. Com um poder de convencimento invejável atuava com maestria em um tribunal de júri.

No mesmo ano o doutor Ciro foi convidado para ser candidato a deputado federal pela Aliança Renovadora Nacional (Arena). Eu ainda nem votava, mas participei da campanha. Antes, porém, fui falar com a minha mãe. Disse a ela que o patrão seria candidato, mas tinha um sério problema: Ele era da Arena. Da famigerada Arena que eu crescera desprezando.

Vinha de uma família tradicionalíssima do PTB/MDB de Brasiléia. Meu pai tinha sido preso no dia 25 de setembro de 1964 em Xapuri pelo satanás em pessoa, o capitão Cerqueira filho. Acusação: contra-revolucionário. As casas de meus avós - no seringal Carmem, colocação Cachoeira e na cidade -, haviam sido invadidas à noite pelo Exército em busca de armas e munição que, segundo as informações da época, seriam utilizadas pela contra-revolução. A acusação era verdadeira. Anos mais tarde minha mãe confessou que passou a noite com meus tios jogando fuzis e balas no rio Acre ao saber da prisão de meu pai.

Zé Augusto deposto. Brizola bradava do Rio Grande do Sul pela rádio Guaíba antes de fugir para o Uruguai insuflando o povo a lutar contra a revolução. Os getulistas do Acre iam ao delírio. Meu pai, um deles. Para prendê-lo o capitão Cerqueira levou o juiz a tiracolo no avião para Xapuri, onde se encontrava meu pai no Banco da Borracha. “Vou desfilar com o Astério Moreira algemado pelas ruas de Brasiléia”, gritava o medíocre capitão, içado ao posto de governador pela revolução.

Um insignificante capitão, quando em todo o Brasil havia a determinação de que os governos estaduais deveriam ser ocupados por coronéis ou patentes ainda mais superiores. Um capitãozinho de nada que havia humilhado a Assembléia Legislativa do Acre. Fui crescendo com essa indignação.

Como poderia ir trabalhar na campanha de alguém que seria candidato pela Arena? Como uma pessoa tão educada, gentil, honesta, um bom patrão, poderia ser candidato pela Arena? Se os da Arena eram os opressores? Vou ter que pedir as contas. Relatei o caso para minha mãe. Lá se vai meu emprego.

Não se preocupe. Se for esse o problema já está resolvido. Você vai ajudar o doutor Ciro Facundo na campanha dele. Mas, mãe.... Não tem, mas. Escute meu filho. Existem dois tipos de homens no mundo. Os bons e os maus. Eles estão em qualquer lugar. No Exército e fora dele; na Arena e no MDB. Já sofri muito por causa de política. Perdemos o Rolando (prefeito de Brasiléia morto em um comício em 62), seus tios estão todos marcados de tiros, seu pai não morreu porque estava na hora certa no lugar certo: trabalhando, portanto, vá trabalhar.

Ajudei modestamente na campanha do doutor Ciro Facundo até em função da minha pouca idade. Fiquei triste porque na época ele perdeu para o Almícar de Queiroz, que tinha muito dinheiro. A minha alegria veio ao ouvir na velha rádio Guaíba, do Rio Grande, a voz de Paulo Brossard: “Esta é a resposta do povo brasileiro ao regime dos generais”. A oposição havia dado um banho nas urnas no regime militar naquele ano.

Doe minha mãe aprendi uma grande lição: “Não se mata por idéias”. Matar é só matar. Com o passar dos anos conheci amigos da infância e da juventude de meu pai. Muitos dos quais militantes políticos da Arena. A vida os encaminhou para que cumprissem seus destinos. O tempo passou. A maioria já se foi. Bons amigos, solidários em momentos difíceis de nossas vidas.

O que guardamos nas mentes e nos corações são suas histórias de lutas. Nessa guerra não há perdedores. Todos venceram porque encontraram na maturidade a tolerância, o respeito mútuo e a boa convivência. O tempo da intolerância, da brutalidade ficou para trás. Pelo menos entre nós que nos olhamos nos olhos todos os dias.

Quanto ao meu patrão, o doutor Ciro Facundo, tive que deixá-lo para ir estudar fora. Ele se tornou juiz, desembargador e agora, aos 70, se aposenta. Continua o mesmo homem de uma integridade moral a ser copiada por todos nós. Para ele, com certeza, a vida está apenas começando principalmente na política. Talvez tenha chegado a hora de ser candidato novamente. Um Cearense de seu calibre nunca entrega os pontos.

P.S, revolução com “r” minúsculo mesmo.




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