José Luiz Ames
“O homem é por natureza um animal político”. Essa idéia fundamental de Aristóteles ensina que o homem realiza sua essência, isto é, atinge sua finalidade última, somente na comunidade política. A finalidade da existência desta é possibilitar a realização da felicidade de seus membros. O que faz com que o poder exercido nesta comunidade seja “político” é o fato de visar o bem de todos. E quando ele visa apenas o bem de alguns, podemos chamar este poder de “político”?
Para saber se um governo é justo, é preciso responder a duas perguntas: “quem governa?” e “para quem se governa?”. A primeira resolve o problema de saber quantos são os governantes: pode ser um só (Monarquia ou Tirania), alguns (Aristocracia ou Oligarquia) ou a maioria (Regime Popular ou Democracia). A segunda pergunta nos responde a questão de saber a favor de quem é exercido o poder e, dessa maneira, se ele é justo ou injusto: é justo o governo que tem em vista o interesse geral, pouco importa se o poder é exercido por um só (Monarquia), por alguns (Aristocracia), ou pela maioria (Regime Popular). Resulta claro que Tirania, Oligarquia e Democracia são formas injustas de governo.
Notamos que Aristóteles não se interessa pela questão de saber qual é a melhor forma governo, nem mesmo qual a mais justa. Como, então, escolher entre Monarquia, Aristocracia e Regime Popular? A opção não pode levar em conta saber em qual destas formas o poder é repartido de modo mais justo, pois todos os regimes que visam o bem comum são justos. O que podemos é perguntar qual tipo de governo é mais capaz de tomar as melhores decisões em favor do Estado. Neste caso, a resposta recai sobre o Regime Popular: em geral, o conjunto do povo decide melhor do que um só ou do que alguns, ainda que estes sejam os mais preparados.
Embora Aristóteles se decida pelo Regime Popular (que ele chama de “Regime Constitucional”), recrimina os democratas. Para estes, é melhor que o povo governe enquanto que, para Aristóteles, o povo governa melhor. Qual a diferença nestas duas posições? De acordo com os democratas, o povo deve governar porque ele é a maioria e não seria justo que alguns poucos comandassem. Já de acordo com a segunda posição, o que torna o governo legítimo não é o fato de ser exercido pela maioria como pensam os democratas e sim porque é exercido a favor de todos. Neste sentido, o povo governa melhor: ao permitir a manifestação da multiplicidade dos pontos de vista, da opinião de todos, o Regime Popular possibilita que as deliberações e os julgamentos sejam mais completos. Este é um governo justo.
Aristóteles permite desmascarar algumas idéias fortemente enraizadas no pensamento político atual. Por exemplo, de que um governo é justo só porque as decisões são tomadas pela maioria. A maioria também pode ser excludente: 51% é maioria, mas não é justo que governe contra os interesses dos 49% restantes. Num governo justo não existem excluídos. Uma outra idéia que Aristóteles desmascara é de que, por ser algo muito complexo, a vida política é um negócio para especialistas. Por isso as pessoas acham que aquele que se deu bem no seu negócio privado está também preparado para ser um bom governante. Aristóteles ensina que é absurda a opinião de que existem alguns que sabem e devem mandar e outros que não sabem e devem obedecer. Quem sabe se a pizza é boa ou não é quem a faz ou quem a come? Na política também é assim: todos somos “consumidores” da vida política, porque ela diz respeito a tudo o que é público. Por isso, cabe a todos nós opinar sobre ela e dizer se ela presta ou não, se ela é justa ou injusta.
*José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da UNIOESTE, Campus de Toledo.
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