terça-feira, 19 de abril de 2011

O poço

Pablo Neruda




Cais, às vezes, afundas


em teu fosso de silêncio,


em teu abismo de orgulhosa cólera,


e mal consegues


voltar, trazendo restos


do que achaste


pelas profunduras da tua existência.






Meu amor, o que encontras


em teu poço fechado?


Algas, pântanos, rochas?


O que vês, de olhos cegos,


rancorosa e ferida?






Não acharás, amor,


no poço em que cais


o que na altura guardo para ti:


um ramo de jasmins todo orvalhado,


um beijo mais profundo que esse abismo.






Não me temas, não caias


de novo em teu rancor.


Sacode a minha palavra que te veio ferir


e deixa que ela voe pela janela aberta.


Ela voltará a ferir-me


sem que tu a dirijas,


porque foi carregada com um instante duro


e esse instante será desarmado em meu peito.






Radiosa me sorri


se minha boca fere.


Não sou um pastor doce


como em contos de fadas,


mas um lenhador que comparte contigo


terras, vento e espinhos das montanhas.






Dá-me amor, me sorri


e me ajuda a ser bom.


Não te firas em mim, seria inútil,


não me firas a mim porque te feres.

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