Diário de bordo
6 de outubro
6:00 da manhã
O primeiro dia...
Depois de dez anos de mandatos consecutivos estou no Porto da Gameleira a olhar o rio e a balsa que me esperam com destino a pitoresca cidade de Manacapuru, às margens do Solimões. As chuvas pesadas de outubro prenunciando um inverno rigoroso deixam o barranco liso. Mas é preciso descer...ir. É necessário partir...
Olho ao redor em busca de alguém em quem me apoiar para não descer rolando barranco abaixo, mas não vejo ninguém. Estou só. Melhor assim. Fui o primeiro a chegar. Outros deverão vir em romaria com suas tralhas: Murmurações, reclamações, amarguras, desculpas e acusações...é sempre assim ao final de cada eleição.
Procuro me agasalhar na proa. A vista é bonita. Da proa sempre se olha para o horizonte. O nascer de um novo dia. Para o futuro. Olhar da popa é olhar para trás, para o passado...o ocaso. É ver os sonhos sendo tragados pelo rebojo das águas barrentas. Pela noite. Na proa, não! O futuro à frente. O passado prende, escraviza...o futuro liberta. Em poucos instantes a balsa estará lotada.
Novos e velhos conhecidos de outras viagens sem fim vão chegando. Balsa é sinômino de democracia. Se fosse uma ditadura não teríamos eleições. Nem ganhadores nem perdedores. Portanto, ....balsa!
Novos e velhos conhecidos de outras viagens sem fim vão chegando. Balsa é sinômino de democracia. Se fosse uma ditadura não teríamos eleições. Nem ganhadores nem perdedores. Portanto, ....balsa!
_ Vamos fazer um selfie! Grita uma passageira metida nos trinques , como se estivesse a desfilar em uma passarela.
_ Que Selfie porra nenhuma, escracha um mal humorado, revoltado com a pífia votação...e os piuns a lhe atanazar a paciência.
_ Calem a boca! Vamos logo embora que tenho mais o que fazer, esbraveja um empresário pensando em recuperar o dinheiro investido, e perdido.
O burburinho é grande até todos se acomodarem. Um empurra daqui, outro empurra de lá. Calor escaldante para o mês de outubro, mês de trovoadas, de fortes ventos e das onças no cio. Um mormaço, muito abafado, um calor infernal a essa hora da manhã.
_ O mundo vai se acabar em fogo, profetiza um evangélico, suando a cântaros, metido em um paletó surrado, calçando tênis, e uma bíblia na mão.
_ É o fim do mundo pra nós que sé lasquemos nas urnas, retruca uma loira oxigenada, que só teve dois votos. _ Bando de gente falsa, gente safada...tanto que eu fiz, desabafa com os olhos marejados de lágrimas. O nariz uma pimenta.
Aliás, assim como eu a balsa está abarrotada de evangélicos. Penso, vai ser uma viagem daquelas...boa, é claro! _ Misericórdia!!!
Do alto do barranco à multidão assiste a partida. Uns vaiam, outros aplaudem, algumas mulheres e crianças choram. Uma mãe aflita soluçando grita em alta voz.
_ Vai com Deus minha filha...
_ Sua benção mãe - e se põe a chorar - até a volta mãezinha...
A balsa parte devagarinho sumindo na curva do rio. É o primeiro dia...de uma longa viagem...
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