Por que viestes a mim, pássaro maldito?!
Por que trouxeste em tuas asas tantas desgraças?
Antes de tua chegada o mundo era belo,
confortável, seguro, retilíneo e previsível.
Havia o céu.
O que trouxeste para mim?
O caos, a tempestade, o furacão, os vendavais...?
Vieste abrir a cratera de um vulcão adormecido...?
Vieste questionar minha fé?
Destruir todas as esperanças?
Por que pousastes em minha janela, entre as flores do jardim?
Há mentiras em teu canto, como todas as mentiras ditas no paraíso.
Vieste me mostrar o futuro...
Enlouquecestes?
Não há futuro em tuas palavras, se não um abismo sem fim...
Onde chegaremos sem um ser celeste que possa nos guiar no mar revolto dessa vida?
Não há estrela guia, caminhos abertos, não há faróis
O caminho é o arremessar-se contra as rochas...
Só há vida nas profundezas da solidão eterna do ser.
Vieste me reduzir a pó.
Como dizes, não?!
Se teu canto chega a ser insano, cruel.
Se a morte é o fim de tudo, que razão haveria em viver.
Não há razão...
Como não há razão, pássaro maldito?!
Só uma vida, essa vida, a única vida, a vida de todas as vidas.
Me trouxeste a coragem, a liberdade, a verdadeira justiça, a virtude, o caminhar no tempo sem medo...é isso que me dizes?!
Essa é a tua oferta no altar da loucura?! No crepitar do fogo ela se esvai, a fumaça para as narinas dos deuses da razão.
Tenho compaixão de ti, pássaro idiota.
Agora rir-se tu da compaixão, zombas da humildade, tripudias da igualdade...
Vejo que és verdadeiramente louco, fugiste das sombras para atormentar os homens.
Me ofereces a verdade...
A tua verdade está além do infinito onde os homens não alcançam só os deuses.
Agora dizes tu que os homens são os deuses porque foram eles que os criaram...
Não há lei, justiça, liberdade, beleza...nesse mundo de deuses.
Só o viver, o agora, o tempo presente...
Depois o silêncio...
Na terra que tu desprezas em nome de um paraíso que não existe.